Com suas belas elevações na
terra, onduladas como seios e pernas da mais perfeita beleza feminina, o sol
surgia como um parto sombrio e triste ao longo daquela manhã escura e
prematura.
Logo ali, abandonado na rede,
seu corpo permitiu ser refletido ao mundo. Uma mulher deitada, afastada,
solitária e nua olhava aquela morada esquecida onde habitava o seu coração. Seus
lábios estremeceram e em seu ventre havia algo indesejado. Os raios penetrantes e gelados do Sol branco
fincavam em sua pele lisa e faziam todas as suas veias virarem cascatas, cada
gota derramada contava o tempo, gota vermelha e grossa como mel, com gosto
amargo. Gota sem ritmo que parava na terra úmida virando um espelho espesso e
opaco.
Aquela
mulher, que só se lembrava de chorar, imóvel na rede, tentou se levantar,
queria ajuda, qualquer que fosse. Caiu no lago vermelho de seu sangue e nele banhou-se,
cobriu seu corpo, seus olhos, seu ventre. Sonhava. Estava em pequena sala sem
janelas, deitada em uma cama gelada. Nua, um tubo metálico, ligado entre suas
pernas, jogava terra, água e sal em seu ventre, outros dois tubos enchiam seus
seios com leite. Sentia dores e enjoo, mas não gritava. Seu corpo mudava
aceleradamente, sua barriga cresceu até o nascer de uma criança, uma menina. Não
tinha ninguém para ampará-la, caiu no chão. Começou a aumentar de tamanho, não
era possível carregá-la, o leite não era suficiente para alimentá-la. A menina
estava com fome, chorava de dor, apesar do grande o corpo era fraca, muito
magra, mal conseguia mexer a cabeça. Pessoas surgiram a sua volta e todas eram
a mesma, um homem com uma cara de reprovação dizendo: “Tira isso que não é meu!”.
Passeava com a filha em um carrinho de mão, em um jardim de margaridas brancas,
quando uma pinça ou tesoura agarrou a menina e a levou para longe de sua mãe.
Ao abrir os
olhos estava em sua rede, completamente suja de terra e sangue, em sua mão uma
tesoura e uma pinça que segurava entre as pernas. Não tinha exatamente certeza
do que havia feito. Estava fraca, olhou a sua volta e não viu ninguém.
Lembrou-se do homem do sonho, seu namorado que havia levado ali, deixando-a
sozinha, dizendo que não poderia ter acontecido aquilo, que a culpa era dela e
por isso ela mesmo é quem deveria resolver o problema tirando o habitante
indesejado de seu corpo. E ela o fez.
Chorar ou se
esconder não era mais uma opção, talvez orar, mas para quem?
Não
importava, deixou que as palavras saíssem sem destino certo.
Fraca,
pálida e triste, com a voz sem alcance começou:
“Senhor, sei que não tenho
sido uma pessoa dedicada a seus encantos, nem uma pessoa desprovida de pecados,
mas peço que me oriente e me ajude. Se faço parte de Seu pensamento, se faço
parte de Ti, se todas nossas almas formam a Sua. E cada parte é uma canção, Sua
voz. Peço apenas que me faça ouvir o trecho da canção que em mim habita. Não
tenho a pretensão de conhecer a completa canção que criou para o homem; Quero
apenas ganhar forças e conseguir tornar verde o que agora está seco”.
Chorou quando terminou, mas
não se notaria suas lágrimas, pois uma suave cortina de chuva escorria feito
infinitas nascente daquelas nuvens cinzas que antes pareciam pequenas flores.
Deixou-se banhar, cada gota
era como uma palavra em resposta a sua oração, todo aquele grosso e amargo
espelho vermelho que pintava o chão abaixo da rede ia se atenuando, rachando,
mas não se pode dizer que isso daria algum azar.
O Sol já se preparava para seu
descanso e o pouco calor que havia naquele dia estava cada vez mais distante.
Lembrou-se
do parto da manhã, pensou naquele sol que nascia e ninguém impedia, pensou como
era independente aquela Mãe, solteira, linda em suas curvas. Pensou em seu
próprio corpo, em suas próprias curvas, em seus sonhos e desejos. “Meu corpo,
minha morada”, ela se lembrou da frase de uma amiga e só agora a compreendia.
Aquela
mulher, sem nome para o mundo, com fome e sede, recordou-se de seu sonho com a
filha que nunca teria, ela que sempre quis ter uma criança. “Se chamaria
Solange”- disse a si mesma.
Tentou se
levantar, pálida e sem forças, fracassou, caiu na lama, naquele pedaço de terra
esquecida e cheia de sangue. Seu sangue. Ainda chovia, mas desta vez cada gota
levava um pouco de seu suspiro, cada gota que massageava seu ventre, já vazio,
ia acalmando-o, cada gota em seus olhos os deixavam mais e mais pesados e seu
corpo afundando na lama lentamente.
A noite chegou com uma Lua cheia para iluminar a terra sem perspectivas de calor, que refletia aquelas lágrimas das nuvens que caíam lentamente, como se quisessem aproveitar todo o caminho de sua queda. A terra já havia possuído a mulher, que se deixou possuir com a esperança de tornar-se parte dela e ser finalmente livre em suas curvas e ondulações e quem sabe se outro dia deixar Solange nascer.
5 Diga lá::
Gostei,texto bacana :)
Poxa, dessa vez me fez chorar.
O texto é muito rico em detalhes, além de chocar; pelo menos a mim que ha pouco mais de seis meses sofri um aborto retido (5 dias sabendo que meu bb estava morto dentro de mim)... assim como a Solange do seu texto quem sabe um dia meu Natan venha nascer.
Palavras vivas...porém triste...Parabéns pelo belo texto!
http://alternativassonoras.blogspot.com.br/
Tenho um pouco de pena de organizações como a ONU. Historicamente sempre estão fadadas a serem deixadas de lado por países sérios.
O brasil largou a organização antecessora que havia no pós primeira guerra quando a alemanha conseguiu uma cadeira no conselho de segurança enquanto o governo brasileiro tentava peitar o mesmo cargo. Se esse país não fosse uma bosta hoje em dia já tinha largado de mão essa merda e poupado a vida de sei lá quantas dezenas de militares que estão numa missão inútil.
Texto melancólico, mas belo. Parabéns!
Postar um comentário